terça-feira, 22 de março de 2011

quarta-feira, 16 de março de 2011

Gravidez é poesia

Fruto de um sonho
E de um ato de amor,
Ele será luz para o mundo.
Todos contemplarão em seus olhos
E em seus gestos uma paixão
Infinita pela vida.

Trará consigo um imenso poder
De sonhar e acreditar na utopia.
Distribuirá a todos, sementes de paz
E com as mãos erguerá a terra
Em direção do sol e da chuva
Para que deles bebam o calor e o frescor
Da imensidão.

Será belo, meu filho.
E a beleza trará no nome.
E seu nome se repetirá nas bocas
De cada homem e cada mulher
E nas risadas das crianças.
Será sábio e ensinará a todos
O valor da inocência e da simplicidade.

Espero um filho.
Será ele a eternização
De mim e de seu pai e de seus avós
E carregará no coração
A dignidade herdada da família
E o exemplo de seus anteriores.

Que ele não seja o que fui.
Que ele seja sempre mais do que sou.
Que ele conquiste o tudo que não consegui.
Que ele viva para seus sonhos
E com sua esperança dê vida a mil outros..."

segunda-feira, 14 de março de 2011

domingo, 6 de março de 2011

terça-feira, 1 de março de 2011

A moça contou (Carlos Drummond de Andrade)

O Marajó é uma coisa fantástica, só você vendo... E depois de ver, é capaz de não acreditar. Você vê, sente, vive o Marajó; contar é difícil. Adianta?

Então você vai comigo a Salvaterra, coisinha de nada, mas tão verde que um anúncio de primavera. Perto a gente dá uma olhada em Condeixa, nome que dá vontade de comer. E ameixa, fruta de conde, sei lá o que as palavras oferecem aos nossos sentidos. Joanes, tão português – antigamente, você gosta? Pois olhe, tem nada de clássico – Frei Luis de Souza, eu estudei na Faculdade, é (ou deve ser) corruptela de Juionas, uma nação de índios deste Pará velho-de-guerra. Joanes faz parte de Salvaterra, você repare nas ruínas de lá, é de uma melancolia, um recuar no tempo. Agora, a quinze minutos de lancha de Salvaterra, dê uma olhada em Soure, isto sim, nominho portuga até dizer chega, pois você não vê que vem de Saurium e remonta a ocupação romana em terras luziadas?

Ah, essa minha erudição. Desculpe. Você está no Marajó, não viaja de carro, carece viajar de avião para curtir essa renda colossal de rios separando as terras. Eta, arquipélago danado, deslumbrando, perturbando a vista miudinha da gente! Mas de barco é que você deslumbra mesmo, não tem conversa. Apeando o navio no lusco-fusco (foi o que me aconteceu uma vez, conheci na travessia um senhor fazendeiro, ele me convidou para conhecer a fazenda, fui). É bom viajar meio sem programa, topando o que vale ser topado, entende? Na luz fraca do amanhecer, a casa-grande, de madeira, sobre estacas, parecia suspensa no ar, o terraço voltado para as terras. Fazenda marajoara, nem te conto... O infinito, o verde. Os bichos selvagens. Lá, você encontra os restos de ferramentas, restos de cerâmica, a vida antiga do índio que fala à alma da gente e atiça a curiosidade de saber mais, mais. Garças e Guarás vermelhos pousando nas lagoas. Jacaré de montão. Tudo. O mundo tá acabando de nascer numa inocência de gênesis.

Oh! Vida colorida arcoirizada! Reunião tão grande e variada de cores e tons que você fica bobo sem saber se olha ou bebe a paisagem. Passeie de canoa, você tem de passear adoidado de canoa pelos igarapés que não acabam nunca pelos furos. A companhia de você é aquela espécie de arbusto pousado à beira d’água durante todo o percurso: aves brancas, róseas, vermelhas, que não se assustam com o barulho doce dos remos ou o ronronar do motor da lancha. Ali estão, ali quedam. Flaminguinho tem lá medo dessas coisas? Cuidado sim, o cuidado para você não se perder no labirinto dos igarapés fica por conta do caboclo da região, que conduz a canoa. Pode confiar. No fim do passeio, você está em casa comendo queijo fresco de leite de búfalo, brincando com o veadinho domesticado, uma graça e pensamentiando: êta Brasil! Maior até que o Brasil!

Mas tem também o leite do Amapá; remédio forte para a asma e bronquite, além de cicatrizar ferida; a salva-do-Marajó, ervas e sementes que compõem uma bruxaria saudável contra todos os males. O melhor doutor é a natureza, médico nenhum pode com essas plantinhas que não estudaram, mas sabem curar as mazelas do corpo... Então, tranqüilo porque se vier macacoa a terra dá um jeito, você pode papear preguiçoso com siá Dulcinéia e seu João Japão, por exemplo, de baixo da mangueira. Eles sabem das coisas. No fim da praia, lá está Maria das Cobras, matriarca valente, velhinha, comandando a família com amor e humanidade. Puxe conversa com ela.

Pare diante da casinha lilás a beira da praia que tem uma tabuleta: “Joga-se xadrez”. Se não souber jogar não entre. Lá dentro têm um velho americano cercado de livros, discos, uma flauta e um tabuleiro de xadrez.

Era músico de uma sinfonia na terra dele, foi para a guerra, voltou meio lelé, arrumou a trouxa, veio arranjar aqui. O Marajó tem tudo.

Salvaterra, salvação de muita gente das sete partidas do mundo (são sete?). Tem aí uns estrangeiros que não querem sair de jeito nenhum deste fim do Brasil feito de água e de verde pulsante. Durante as férias, gente do país e do exterior se reúne lá para a volta a vida simples. Tiram a pele da cidade, entende? E se organizam numa espécie de fusão panteísta. O corpo reage por si independente de você. A visão dilata-se as cores avivam-se, os sentidos apuram-se, e você, libertado de você sente-se “aware”, penetrando as coisas e penetrado por elas... Difícil explicar isso: Por mais coisas desimportantes que você fale, mais verdades essenciais dirá. Por mais silêncio que haja, mais será compreendido.

E nada de turismo, ouviu? Essa idéia some no ar. Salvaterra é um segredo, um presente fechado, porta-jóias, senha maçônica. É preciso respeitar Salvaterra. É preciso amar Salvaterra. Ah, você não calcula...

Assim falou a moça apaixonada do Marajó Lívia de nome e está feita a crônica.



(Publicado originalmente no Jornal do Brasil, em 27 de janeiro de 1981)